Decisões ameaçam a cadeia leiteira. Importação, normativas e decreto do ICMS podem gerar empobrecimento no campo
Crédito: Arquivo A HoraNormativas podem inviabilizar a coleta de leite. Grupo tenta reunião com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina
Medidas do governo federal podem representar prejuízos para a agricultura familiar, pequenas indústrias e cooperativas da região. O fim da tarifa de importação do leite em pó da União Europeia e da Nova Zelândia, as exigências das normativas 76 e 77 e o fim do decreto estadual para taxação de ICMS na compra de produtos lácteos do Mercosul ameaçam a economia regional, estadual e nacional.
Com um setor em crise há quase três anos devido às oscilações no preço pago ao produtor por conta da importação do Uruguai, o temor de líderes e entidades representativas do segmento é de um novo processo de debandada da atividade. Em meio aos impactos negativos sobre a produção, a articulação regional estipula uma série de movimentos. O Conselho Regional de Desenvolvimento (Codevat), junto com a Fetag, promovem reunião com integrantes do governo do Estado e com deputados.
“Queremos formar um grupo gaúcho para se reunir com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina. Se essas medidas não forem revistas, a situação que é crítica vai se tornar caótica. Não podemos aceitar isso”, afirma a presidente do conselho, Cíntia Agostini.
Empobrecimento no campo
Para ela, o principal impacto das medidas recairá sobre os pequenos e médios produtores. “Tanto as normativas quanto o fim da taxa de importação representam um risco às famílias do campo. Não há como competir com a Europa.”
De acordo com Cíntia, não se pode esquecer que os produtores do Velho Continente recebem incentivos governamentais. “Eles praticamente recebem para ficar no campo. Por isso conseguem reduzir o custo de produção.”
Com a oferta de produtos lácteos vindos de fora, reduz o preço pago ao produtor, acarretando empobrecimento. “Nossos agricultores não conseguirão continuar na atividade.”
Estima-se que desde 2016, mais de 25 mil famílias gaúchas tenham abandonado a pecuária leiteira. No Vale do Taquari, esse número se aproxima de 1,2 mil propriedades.
Leite fica na propriedade
Dirigentes das duas maiores cooperativas de alimento da região – Dália Alimentos e Languiru – afirmam que não há como implementar as normativas sanitárias neste momento. “É preciso que fique claro, somos a favor de qualquer regra que venha para dar mais qualidade ao leite. No entanto, alguns aspectos da regra são impossíveis de cumprir agora”, diz o presidente da Languiru, Dirceu Bayer.
As normativas 66 e 67 do Ministério da Agricultura entram em vigor em maio. Os textos regram sobre a produção, armazenamento, transporte e entrega do leite cru à indústria. Também estabelecem aspectos sobre contagens de bactérias e exames laboratoriais.
Os textos foram redigidos em novembro do ano passado. Entre os pontos de dificuldade, está a temperatura do leite entregue às empresas. Na regra atual, a temperatura máxima permitida é de 10ºC. Pela nova lei, o máximo seria 7ºC. “Para cumprir isso, teríamos de deixar em torno de 60% do leite nas propriedades”, diz o presidente Executivo da Dália Alimentos, Carlos Freitas.
Organização tardia
Pela condição climática favorável e pela característica de agricultura familiar, o Brasil poderia ser uma potencia mundial na produção de leite, acredita o consultor e ex-diretor Executivo do Instituto Gaúcho do Leite, Ardêmio Heineck. “Em 18 anos de barreira para compra da União Europeia, houve tempo para fazermos o dever de casa. Não nos organizamos e agora se corre para reverter uma decisão.”
Para ele, algumas medidas que buscavam qualificar o setor foram postergadas e outras foram boicotadas. “No Vale, iniciamos esse processo, com a erradicação da Brucelose e da tuberculose na comarca de Arroio do Meio. Essas doenças deveriam ter sido superadas há muito tempo, no entanto, o país ainda não tem esse certificado.”
Como outras nações produtoras obtiveram a erradicação dessas doenças desde a década de 30, diz Heineck, é impossível o Brasil competir no mercado internacional. “Se o mercado interno aumentasse em 20% o consumo, não precisaríamos buscar vendas para outros países. A produção nacional alcançaria a sustentabilidade”.
Já nos modelos de organização dos produtores, alega Heineck, foram “bombardeados” pelas grandes indústrias multinacionais. “O próprio IGL sofreu interferência externa de grupos ligados a essas empresas e foi inviabilizado devido a esses interesses.”