Vídeos da boneca Momo propagam pânico nas redes

Pais em alerta

Vídeos da boneca Momo propagam pânico nas redes

Destaque na web, fenômeno espalha medo entre as famílias. Especialistas orientam como proceder em caso de crianças acessarem conteúdos inadequados

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Vídeos da boneca Momo propagam pânico nas redes
Gustavo Adolfo 1 - Lateral vertical - Final vertical

Olhos esbugalhados e um sorriso macabro. Conhecida como “Momo”, a figura sinistra de uma obra de arte japonesa circula na web desde 2018 e coloca em alerta autoridades, pais e educadores mundo afora. Recentemente, o tema ganhou maior visibilidade no Brasil após o Ministério Público da Bahia instaurar investigação e solicitar ao Google e ao Whatsapp a remoção de vídeos em que a boneca aparece.
 
Inserida em conteúdos de internet voltados ao público infantil, a boneca Momo influenciaria crianças e adolescentes a um comportamento perigoso, nocivo e até mesmo suicida. Segundo relatos, vídeos inofensivos, como do clássico “Babyshark” ou de crianças brincando com a geleca “slime”, são interrompidos pela aparição da personagem, cuja voz distorcida induz os espectadores a buscarem objetos afiados e se cortarem com eles.
 
O mistério iniciou no ano passado, quando a boneca Momo se tornou um viral no Whatsapp, com origem no México até se espalhar a outros países. Um contato telefônico foi divulgado na internet como sendo da personagem. Quem iniciava um diálogo pelo aplicativo de mensagens com a criatura era convidado a uma desafio, semelhante ao jogo da Baleia Azul – que aterrorizou pais em 2017 e foi associado a mais de cem casos de suicídios de adolescentes em diversos países.
 
Com capacidade de acessar informações particulares dos jovens, os criminosos por trás da brincadeira macabra induziriam os interlocutores a práticas perigosas, sob ameaças à vida de parentes próximos, de exposição de imagens reservadas da vítima na rede e de feitiçaria.
 

Na região

Moradora de Venâncio Aires, uma profissional da área da saúde que prefere não se identificar, conta que ficou espantada nesse domingo à noite ao receber o alerta no grupo de pais e professores no Whatsapp sobre o fenômeno Momo. Mãe de uma criança de 5 anos, mostrou ao filho a imagem para saber se ele reconhecia.
 
“Eu vi que ele não se espantou e parecia já ter visto aquela imagem. Eu fiquei muito nervosa, mas tentei não demonstrar. Peguntei se ela havia falado ou mostrado alguma coisa para ele. Percebi que ele ficou meio pensativo, mas disse que não”, relata.
 
Em uma segunda ocasião, ao buscar o filho na escola, a mãe tentou novamente conversar com o filho sobre a situação. A criança confirmou que teria visto a imagem, que o deixou com medo e sem vontade de olhar mais vídeos no celular. “É muito preocupante. Fiquei bastante atordoada ao pensar o que passou pela cabecinha de meu filho”, revela.
 
Empresário em Lajeado, outro pai comenta que, nos últimos dias, passou a estranhar o comportamento da filha de 8 anos. Repentinamente, a criança começou a apresentar medo de ficar sozinha, inclusive para ir ao banheiro. Por meio do diálogo com a menina, descobriu que ela havia visualizado vídeos com a boneca Momo no aparelho celular. Diante do fato, a família resolveu buscar orientação psicológica.
 

Origem da imagem da Momo remete à escultura japonesa de uma espécie de “mulher-pássaro”. A peça foi exibida em 2016, no museu Vanilla Gallery, em Tóquio, em uma exposição sobre“fantasmas e monstros”

Origem da imagem da Momo remete à escultura japonesa de uma espécie de “mulher-pássaro”. A peça foi exibida em 2016, no museu Vanilla Gallery, em Tóquio, em uma exposição sobre“fantasmas e monstros”

Casos suspeitos no Brasil

Pelo menos três casos no país foram relacionados à suposta influência que a boneca Momo exerce nas crianças. O de maior notoriedade foi em Recife (PE), em agosto do ano passado. Um menino de 9 anos foi encontrado enforcado no quintal de casa.
 
De acordo com a delegada Thaís Galba em entrevista ao jornal O Globo, a mãe revelou em depoimento que o garoto teria mostrado rapidamente uma foto da boneca dia antes do incidente, dizendo: “olha que boneca feia”. Após a morte do filho, ela soube por uma sobrinha que existiria um desafio de enforcamento compartilhado por perfis da boneca. O caso segue em investigação.
 
Conforme informações que circularam na imprensa nacional, um menino de 4 anos teria tentado cortar os pulsos na cidade de Goioerê (PR), supostamente motivado por vídeos no YouTube. Ele também teria demonstrado comportamento violento ao apertar o pescoço do próprio pai. O menino foi socorrido pelos responsáveis.
 
Nesse domingo, também ganhou visibilidade o suicídio de uma garota de 11 anos em Mundo Novo, no Mato Grosso do Sul. Ela usou uma arma do pai, um policial militar, para atirar contra a própria cabeça. A menina estaria assistindo a vídeos no celular antes de cometer o ato. A morte da garota também segue em investigação.
 

Fake?

Nos últimos dias, as redes sociais foram inundadas de mensagens de alerta sobre os perigos da exposição das crianças a vídeos na internet, devido à suposta volta da boneca Momo. No entanto, não há evidências de que a personagem apareça em vídeos infantis do YouTube ou do próprio YouTube Kids.
 
A conta oficial do YouTube Brasil no Twitter divulgou que nenhum vídeo desse caráter foi encontrado no canal virtual.
Existe a hipótese de que apenas vídeos editados teriam circulado pelo Whatsapp, causando pânico em pais e responsáveis por menores. Mesmo sem a confirmação de casos relacionados ao fenômeno na Bahia, o Núcleo de Combate a Crimes Cibernéticos (Nucciber), do MP daquele estado instaurou inquérito para investigar a situação.
 
 

“Intensificar o diálogo”

BONECO PSICÓLOGAJamille Mateus Wiles é psicóloga clínica e escolar, com mestrado em Psicanálise, Clínica e Cultura. A seguir, analisa os perigos da exposição das crianças às redes sociais e orienta pais e responsáveis sobre os devidos cuidados.

Como uma criança processa essas imagens?
Jamille Mateus Wiles – A forma como uma criança reagirá a imagens como estas irá variar de acordo com a sua subjetividade e com o ambiente em que está inserida. Nesse sentido, é muito importante que os pais e professores estejam atentos a mudanças repentinas no comportamento habitual da criança, como quando ela deixa de brincar, de interagir ou quando perde a fome ou a vontade de fazer atividades que antes a interessavam.
 
Que sinais comportamentais elas podem apresentar após a exposição a esse tipo de conteúdo?
Jamille – Além das mudanças no comportamento, deve-se atentar ao aparecimento de sintomas físicos ou psíquicos como dores de cabeça, dificuldade para dormir, ansiedade, euforia, apatia ou tristeza. Quando esses sintomas persistem e geram angústia, é importante a busca de um espaço de escuta para a criança e de orientação para os pais, através do acompanhamento de um psicólogo clínico.
 
Como pode ser revertido o impacto causado na criança?
Jamille – Ao conversar com as crianças sobre a temática, é importante evitar a criação de uma situação de pânico, mas transmitir segurança e tranquilidade. Deve-se incentivar a criança a sempre buscar os pais ou responsáveis quando vir algum conteúdo que gere estranhamento, dúvida ou desconforto.
 
Isso vale também para o ambiente escolar. Em turmas em que a temática estiver gerando dúvidas ou ansiedade, pode-se realizar uma roda de conversa para que as crianças possam falar como estão se sentindo e serem orientadas sobre como protegerem-se.
 
De que formas os pais podem evitar ou reduzir o risco da criança ter acesso a este tipo de conteúdo?
Jamille – É imprescindível que o conteúdo acessado pela criança seja supervisionado pelos pais e que eles estipulem um tempo limitado para o acesso aos eletrônicos. Já na primeira infância, o acesso deve ser evitado. Ainda que o uso de eletrônicos faça parte de nossa cultura, é essencial que a criança possa ter seu tempo investido em outras atividades como as culturais, coletivas e especialmente as brincadeiras. É através do brincar, também, que a criança irá elaborar conteúdos e sentimentos confusos ou difíceis.
 
Outro aspecto a ser destacado é a importância de momentos de convívio e conversa entre os familiares, cada vez mais raros. É essencial a construção de espaços dentro da rotina acelerada para intensificar o diálogo e a realização de atividades em conjunto entre os familiares, pois isso certamente auxiliará a criança a sentir-se à vontade e confiante para buscar ajuda quando tiver acesso a quaisquer conteúdos inadequados.
 

ALEXANDRE MIORIM – [email protected]

COLABORAÇÃO – Filipe Faleiro e Matheus Chaparini

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