Panc: o mato  vai para o prato

Negócios

Panc: o mato vai para o prato

Plantas alimentícias não convencionais aliam benefícios à saúde com preocupação ambiental. Facilmente encontradas na natureza, as panc possuem alto valor nutricional. Desafio é popularizar consumo e saber como prepará-las corretamente

Por

Panc: o mato  vai para o prato
Gustavo Adolfo 1 - Lateral vertical - Final vertical

Ora-pro-nóbis, capuchinha, beldroega, urtiga, dente de leão, lírio do brejo, peixinho, maria gorda e língua de vaca. Embora os nomes não despertem o paladar, as plantas alimentícias não convencionais estão cada vez mais presentes na culinária.
Conhecidas como Panc, sigla autoexplicativa criada pelo pesquisador botânico Valdely Ferreira Kinupp, elas aliam alto valor nutricional e preservação ambiental, uma vez que são facilmente encontradas na natureza e dispensam técnicas complexas de manejo de solo ou utilização de agrotóxicos.
Ele acredita no crescimento da demanda pelos próximos cinco anos. “As pessoas estão preocupadas em ter uma alimentação saudável, fugindo da mesmice das frutas e verduras mais conhecidas, e com o menor impacto ambiental possível”, afirma.
Conforme Kinupp as plantas estão presentes em todo país e caíram no esquecimento por falta de costume, conhecimento e valorização de itens exóticos no cardápio diário. No entanto, aos poucos, as Panc reconquistam consumidores em feiras, restaurantes e carregam consigo uma filosofia que vai além de nutrir o corpo. “Estas ervas, flores, frutas e verduras assumem o status de alimentos do futuro”, observa.
Para Kinupp o país ainda não tem soberania alimentar. Hoje, quase tudo produzido é proveniente de recursos genéticos importados da Europa e Ásia. “Ao valorizar e resgatar as nossas espécies nativas, podemos causar uma revolução gastronômica”, entende.
Segundo a FAO, Departamento de Agricultura e Alimentação da Organização das Nações Unidas, somente 30 espécies de plantas fornecem 95% da demanda humana por comida em um universo de incríveis 30 mil variedades.
Para desbravar as Panc, Kinupp ao lado do também pesquisador Harri Lorenzi, criou uma espécie de “bíblia” sobre esses alimentos, o livro Plantas Alimentícias Não Convencionais (Panc) no Brasil: ensina a reconhecer, revela os aspectos nutricionais e como incluí-las no cardápio.

Por semana,  Joselha leva para as feiras mais de 50 molhos de panc. O preço chega a R$ 1,50 por unidade

Por semana,
Joselha leva para as feiras mais de 50 molhos de panc. O preço chega a R$ 1,50 por unidade

“Para muitos era inço”

O casal Edson Mohr e Joselha Camargo, são adeptos do consumo das Panc. Há mais de um ano decidiram abandonar os empregos na cidade para se dedicar à produção orgânica na propriedade em de Alto Arroio Alegre, interior de Santa Clara do Sul. Além da mudança de ofício, Joselha também criou novos hábitos alimentares, incluindo na sua dieta as plantas que crescem naturalmente na propriedade.
Com apoio da Emater/RS-Ascar o casal entrou no Programa Santa Clara Mais Saudável, lançado pelo Executivo em 2017 e estimula a produção de alimentos livres de agroquímicos. São mais de 50 variedades de hortaliças, plantas condimentares e não convencionais. “Sinceramente, hoje a gente quase não vence entregar, tamanha a demanda por esse tipo de produto”, avalia.
As Panc se tornaram um mercado paralelo e promissor. Carru, picão, sargento Gomes, dente de leão, radite, inhame, capuchinha, lírio do brejo, beldroega, begônia, hora pronobis, folha de batata doce e coração de banana são facilmente encontrados na lavoura. “Quando começamos a vender muitos frequentadores das feiras acharam que era inço e não dava para comer. Após explicar as suas finalidades e os benefícios, passaram a consumir”, comenta Joselha.

Identificar e preparar

Segundo Joselha, o maior desafio para popularizar essa alternativa alimentar consiste na busca de conhecimento sobre as variedades que podem ser consumidas. Outro desafio é saber prepará-las corretamente. “As Panc são uma alternativa nutricionalmente adequada, rica em fibras e nutrientes, além de ser recomendado para quem possui alguns tipos de intolerância alimentar. Mas nós precisamos quebrar esse paradigma, pois a nossa região ainda é um pouco resistente a novos hábitos”, observa.

ENTREVISTA

“É um ótimo caminho para uma alimentação adequada”

A assistente técnica regional Social da Emater/RS-Ascar, Elizangela Teixeira, não esconde o entusiasmo quando fala sobre o universo de possibilidades e benefícios proporcionados pelas Panc. Ela é uma das responsáveis em divulgar e ensinar o aproveitamento delas na alimentação.
O que são as Panc?
Elizangela – São todas as plantas com uma ou mais partes apropriadas para a alimentação humana, mas não estão incluídas no cardápio cotidiano. Elas normalmente são denominadas de “mato”, “daninhas”, “invasoras” e até “nocivas” por brotarem espontaneamente entre as plantas cultivadas ou em locais onde não “permitimos” que isso ocorra. Devido a isso, milhares de espécies com alto valor nutritivo são negligenciadas por grande parte da população e do poder público. As Panc tem potencial para complementação alimentar, diversificar cardápios e os nutrientes ingeridos, além uma nova alternativa de renda como a venda de partes das plantas ou de produtos processados (geleias, pães, farinha, etc) ou mesmo através do turismo, rural ou gastronômico.
Quantas variedades existem e são utilizadas na base alimentar?
Elizangela – Culturalmente, nossa alimentação é baseada em uma pequeníssima parcela de alimentos. Mais de 50% das calorias consumidas no mundo provêm de no máximo quatro espécies de plantas. 90% dos alimentos ingeridos vêm de somente 20 tipos de plantas. Por outro lado, temos uma oferta potencial de alimentos de pelo menos 30 mil plantas diferentes. A FAO, órgão da ONU, envolvida com a questão da alimentação mundial, estima que 75% das variedades convencionais de plantas alimentícias já foram perdidas. Estima-se que em nosso país pelo menos 10% da flora nativa (4 a 5 mil espécies de plantas) sejam alimentícias. As mais comuns são beldroega, dente de leão, serralha, capuchinha, taioba, peixinho da horta, erva-gorda, picão preto, inhame e ora-pro-nóbis.
Elas são o alimento do futuro?
Elizangela – A ideia principal é ampliar nossa base alimentar e diversificar o consumo de plantas, proporcionar uma alimentação variada que forneça todos os nutrientes ao organismo e com plantas que estão à nossa disposição em todos os lugares. Algumas Panc têm propriedades medicinais e seus compostos bioativos contribuem com a promoção da saúde. É um ótimo caminho para uma alimentação adequada, saudável e responsável.
Elas podem substituir a carne, por exemplo?
Elizangela – A ora-pro-nóbis é uma planta, por ser rica em proteínas, conhecida como “carne dos pobres”. Suas folhas, flores e frutos são consumidos de diversas formas, tanto crus quanto cozidos, além de servirem de base na preparação de farinhas para produtos como massas e pães. Estudos científicos comprovam que as folhas têm elevados teores de proteína (25%), dos quais 85% na forma digerível, fibras e minerais, principalmente ferro, além de compostos químicos como óleos essenciais, flavonoides e fenóis. Estes elementos são responsáveis pela inibição de algumas linhagens de células tumorais, atividades antioxidantes e ação antibacteriana.

Acompanhe
nossas
redes sociais