Cheiros e cores de setembro

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Ardêmio Heineck

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Cheiros e cores de setembro

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Gustavo Adolfo 1 - Lateral vertical - Final vertical

Dos cinco sentidos essenciais de que somos dotados, particularmente dois me evocam sentimentos e lembranças de forma especial: o olfato e a visão. No último verão, mês de janeiro, transitando pela freeway em busca do litoral para mitigar aquele calor sufocante, ao longe parecia que a pista levitava derretida. De pronto lembrei-me dos tempos de guri, interior de Arroio do Meio, no calorão do meio-dia esperando o ônibus para “ir pra cidade”. Sob uma bergamoteira na beira da estrada, também via, ao longe, de onde viria o ônibus, aquele calor levitando sobre o chão de cascalho. E na carona deste lampejo na memória, veio todo o rebordeio de uma vida, iniciando por aqueles tempos despreocupados de piá que antecedem nossa caminhada de adultos.
Todo início de setembro, vendo os ipês em flor, lembro do diretor do Colégio Alberto Torres, Friedhold Altmann, por cujas mãos passaram muitas das pessoas que, com o preparo que lá adquiriram, ajudaram a estruturar o Vale do Taquari. Certa vez ele reuniu dezenas de ex-alunos num almoço de reencontro que ele perenizou na minha mente com a seguinte frase: “todo ano, quando os ipês florescerem, nos encontraremos neste local, nos abraçaremos e nos contaremos por onde a vida está nos levando”. Dezenas de anos passaram, diretor Altmann já não está mais conosco, o encontro não mais se repetiu. Contudo, todo ano, quando os ipês florescem, me evocam aquela lembrança e, para mim, nos reunimos e nos abraçamos mentalmente.
Os ipês e tantos outros prenúncios nos dizem de mais uma primavera chegando, nos envolvendo num manto de cores e de cheiros gostosos, provindos de flores dos mais diversos matizes e odores, do capim e das árvores brotando. A vida ressurge mais uma vez após um inverno rigoroso que nos deixou encarangados e com alguns quilos a mais. E este inverno sucedera a um verão infernal em que tudo parecia derreter e nos confinava aos ambientes com ar refrigerado. Opera-se agora, na natureza, o milagre cíclico do renascer, da reprodução, da perenização das espécies.
Certa vez, nos tempos de presidente da Câmara da Indústria, Comércio e Serviços do Vale do Taquari, ao iniciar minha fala na posse da diretoria de uma entidade filiada, disse que, quando alguma circunstância me levava a ir a um cemitério, gostava de caminhar entre as lápides, colhendo uma lição de vida ao olhar nomes e datas nelas incrustadas. Imagino a vida daquelas pessoas e do quanto fugaz ela foi. De quantas vezes, na primavera, elas se renovaram para que cumprissem sua caminhada e dessem a contribuição que sua existência trouxe. De quantas delas foram autoras ou vítimas da intolerância, perderam amizades, convívios com pessoas, desentenderam-se com familiares, tudo por questões bobas, ou por não saberem internalizar e aceitar um contraponto às suas ideias. Um dia estaremos lá, com nome e foto incrustados numa lápide.
Há poucos dias voltamos à sensação gostosa de mais um mês de setembro chegando em nossas vidas. De podermos abrir as janelas pela manhã, estufar o peito com aquele cheiro gostoso no ar, mescla de tudo o que está florescendo e inebriar-nos com a profusão de cores da natureza que rebrota. Nos refestelarmos com o sabiá empoleirado logo adiante num galho, num canto repetido, mas sempre lindo e inesquecível. E assim, estamos preparados para mais um dia de luta, válida e necessária, pela vida.
Muitas pessoas se somam a este nosso sentimento primaveril, remotivador para a vida. Contudo, não podem ser tolhidas de fazê-lo à sua maneira ou de divergir das nossas ideias. Este caldo de contraditório e de respeito mútuo é essencial e constitui-se em mais uma força propulsora da humanidade.

Ardêmio Heineck – [email protected]

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