A sonhada autonomia

Opinião

Ney Arruda Filho

Ney Arruda Filho

Advogado

Coluna com foco na essência humana, tratando de temas desafiadores, aliada à visão jurídica

A sonhada autonomia

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Meu amigo João Vicente tem 2 filhos. O mais velho fez faculdade, se formou e começou a trabalhar na área. Ele não se encontrou. Tomou aquela difícil decisão de dar uma guinada na vida. Mudou tudo, inclusive de país, conquistou sua independência e hoje trabalha naquilo que o realiza. A caçula teve uma caminhada semelhante. Estudou e se formou na universidade. Seguiu complementando a formação acadêmica, cursou mestrado no exterior e, depois de muito batalhar foi selecionada para um trabalho na sua área. Ela se encontrou. João Vicente me contou, com orgulho de pai, que quando a filha lhe mostrou as bases do contrato recém formalizado com seu empregador, pra comprovar que tinha alcançado a tão sonhada autonomia, ele disparou: opa, agora tu já podes patrocinar as passagens pro pai e pra mãe irem te visitar! De pronto, a filha respondeu: tu pensas que dinheiro dá em árvore? E seguiu-se aquela gargalhada, com o complemento de que, fazia muito tempo, ela nutria o desejo de fazer essa pergunta pra ele. Vingança nutrida desde a infância. Lembranças de tempos idos, de quando a gente tentava ensinar aos filhos pequenos o quanto pode ser suado (e na maioria das vezes é!) ganhar dinheiro, arcar com todas as despesas da família e ainda fechar no azul.
No Brasil, o sonho da construção de um estado democrático de direito deu azo ao surgimento de algumas anomalias graves. Os princípios (ou dogmas) da separação e da autonomia dos poderes serviram de fundamento para que se incluísse, na própria Constituição Federal, a prerrogativa de autonomia financeira e orçamentária para os poderes Judiciário e Legislativo. Mais ainda, outros entes estatais surfaram nessa onda e conseguiram idêntica benesse.
uando afirmo que surgiram anomalias graves, me refiro ao abismo que se criou entre os direitos (ou privilégios) das diversas carreiras públicas. As discrepâncias salariais são assustadoras. Um professor estadual, por exemplo, com 40 horas semanais de atividade, tem um vencimento básico de R$ 2,5 mil a R$ 3,8 mil. Já o salário básico de um juiz de direito fica na faixa de R$ 22 mil reais. Só o auxílio moradia que era pago a todos os juízes girava em torno de R$ 4,3 mil. Recentemente, o Conselho Superior do Ministério Público aprovou uma resolução permitindo o pagamento também aos promotores de justiça.
Daí me pego pensando na mobilização que se formou em torno da prisão após julgamento em segunda instância. Já tem até alteração na legislação penal aprovada no Senado. E se houvesse uma mobilização para, ao menos, debater os desequilíbrios gerados pela autonomia orçamentária dos poderes e outros órgãos? Afinal, ainda que autônomos e independentes, todos os Poderes bebem da mesma fonte, a receita pública gerada por tributos. Se a gente batizasse o movimento com uma pergunta: vocês pensam que dinheiro dá em árvore?

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