CORONAVÍRUS: ameaça à saúde e incerteza na economia

Coronavírus

CORONAVÍRUS: ameaça à saúde e incerteza na economia

Surto se espalha, se aproxima das 3 mil mortes e obriga revisão nos métodos de atendimento dos pacientes devido ao alto grau de contágio. Para a economia, perspectiva é de retração no mercado mundial

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CORONAVÍRUS: ameaça à saúde e incerteza na economia
Foto: Filipe Faleiro
Mundo
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Na semana em que o Brasil confirmou o primeiro contágio, dólar alcança os R$ 4,50 e ações das companhias nacionais sofrem com desvalorização na bolsa de valores. Na saúde, orientações do governo federal, das secretarias estaduais e dos municípios tentam conter a propagação do vírus. São mais de 83 mil infectados no mundo e quase 3 mil mortes. Pela escala diária de contágios, em breve a classificação do coronavírus pode ser modificada para pandemia.

A nova doença, surgida em Wuhan, na China, apresenta baixo grau de mortalidade, mas um grande poder de contágio. Diante de algo pouco conhecido pelos especialistas, a primeira medida é evitar o contato entre pessoas. A necessidade de isolamento traz efeitos na economia global.

De imediato, a instabilidade no mercado internacional e no câmbio. Com a moeda americana em alta, a compra de insumos para indústrias traz mais despesas. Caso a crise de saúde pública se mantenha por mais meses, especialistas prevêem queda na produção mundial e no consumo, tanto que grandes companhias já revisam metas e perspectivas para o ano.

No Vale do Taquari, o quadro de anormalidade traz incertezas e os efeitos ainda não são sentidos. É o que afirma o presidente da cooperativa Languiru, Dirceu Bayer. “Até o momento, nenhum problema. A comercialização está normal, a exportação também. O primeiro impacto negativo é o câmbio e a perda de confiança dos investidores”, avalia.

Cooperativa do mesmo setor, a Dália Alimentos também vê com apreensão o momento. Para o presidente do conselho administrativo, Gilberto Piccinini, a relação de mercado está estremecida. No fim do ano passado e nos primeiros meses de 2020, a China também enfrentou perdas na suinocultura devido a doenças que dizimaram as criações. Esse período foi vantajoso para a cooperativa de Encantado. “Agora, com o coronavírus, essas vantagens que tivemos no mercado chinês foram anuladas.”

As incertezas e mudanças no comportamento das pessoas atingem a Dália. De acordo com Piccinini, produções que iriam para a exportação estão paradas. Negócios foram interrompidos. Como consequência, o câmbio sofre com altas, o que limita a comercialização e provoca um incremento considerável nos custos de produção de frangos, leite e suínos. “Tudo isso interfere no nosso segmento. Acompanhamos essa situação e vemos mais dificuldades se esse quadro persistir.”

A economista e presidente do Conselho de Desenvolvimento, Cintia Agostini, frisa as ameaças para relações comerciais para os próximos meses. “De imediato, já era esperada a desvalorização na bolsa e alta no dólar. Em médio e longo prazo, há risco de redução da atividade industrial, com férias coletivas em fábricas, menos consumo e menos renda.”

Essa situação pode levar a um quadro de recessão mundial, começando na China, uma das maiores economia do mundo. “Isso já está ocorrendo, no momento em que há fábricas fechando e pessoas sendo isoladas. Mas ainda não temos dimensão do que está por vir.”

Conforme o boletim sobre a doença dessa sexta-feira, o número de pessoas contaminadas supera 83,8 mil. O coronavírus está presente em 61 países e matou quase 3 mil pessoas. No Brasil, há um caso confirmado e mais de 180 suspeitos. Destes, 27 são no RS.

Apreensão sem rever metas

O gerente de exportação da Docile, Cristian Ahlert, realça que neste momento o principal desafio é a variação do câmbio. Benéfica às vendas ao exterior, mas de gastos maiores para compra de insumos.

Apesar da apreensão, a indústria mantém as estratégias de negócio previstas para o ano. “Até agora, o impacto comercial é nulo. As negociações estão normais. Não há nenhuma alteração na rotina. Acredito que em breve essa crise estará controlada.”

Ele sustenta essa opinião pela taxa de mortalidade, hoje em menos de 4%. Inferior inclusive do que o da H1N1, que surgiu entre 2007 e 2008.

Avaliação semelhante de outra indústria da área de candies. O diretor da Florestal, Maurício Weiand afirma que no momento não há interferência na rotina da empresa, nem revisão sobre metas e estratégias de negócios. O principal cuidado neste momento é não expor a equipe, evitando viagens para locais onde há mais risco de contágio. “Estive no início de fevereiro na Alemanha, logo depois em Dubai. As feiras estavam normais.”

Para ele, as primeiras informações sobre a doença trouxeram pânico. “Foi um susto inicial. A alta do dólar trouxe impacto negativo para os negócios, mas não foi nada absurdo”. Weiand acredita que esse desequilíbrio seja superado nas próximas semanas.

 

Procura nas farmácias

Na manhã dessa sexta-feira, diversos estabelecimentos do centro de Lajeado estavam com pouco estoque de luvas e máscaras. Também houve um grande aumento na procura por álcool gel, conta uma atendente de uma rede de farmácias na Av. Benjamin Constant.

Diante das orientações do Ministério da Saúde, hospitais ampliam os cuidados de higiene e definem setores para isolamento em caso de pacientes com os sintomas da doença. A enfermeira do controle de infecções do Hospital Bruno Born, Angélica Rocha de Oliveira, conta que as últimas semanas foram de aumento no preço dos itens de proteção, como aventais, luvas, máscaras e álcool gel. Alguns itens, diz, o preço aumentou 100%. Por mês, a instituição usa em média oito mil conjuntos de proteção individual e 20 litros de álcool gel.

Estimativa de vacina em 120 dias

O médico infectologista e professor da Univates, Guilherme de Campos Domingues, avalia que o controle iniciado pelo governo chinês para evitar a propagação do vírus foi um “esforço nunca visto”.

“Conseguiram bloquear cidades com milhões de pessoas. Nenhum outro país do mundo teria condições de fazer algo assim.” Ele acompanha os esforços no campo da pesquisa para o controle da doença. “Pelo que foi dito, vemos que a vacina deve estar pronta em três semanas. Mas a aplicação em humanos deve ser nos próximos três ou quatro meses.”

Como se trata de uma doença nova há risco de pacientes assintomáticos estarem doentes e transmitirem o vírus, diz o médico. “Por ser baixa a letalidade, há mais disseminação entre pessoas saudáveis”, explica.

Por isso a chegada do coronavírus no Brasil era questão de tempo, afirma. Como resposta, acredita que as recomendações ao sistema de saúde chegaram em tempo hábil para evitar a disseminação em larga escala. “O que temos de fazer agora é precaução, pois já temos informações suficientes de como atender esses pacientes.”

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que o hábito de higienizar as mãos regularmente pode reduzir em até 40% a contaminação por vírus e bactérias que causam doenças como gripes, resfriados, conjuntivites e viroses. No Brasil, cerca de 25% das infecções registradas são causadas por micro-organismos que se tornam imunes à ação dos antibióticos.

 

Há chance de um aumento na demanda de alimentos

André Nunes de Nunes, economista chefe da Fiergs

O setor mais atingido até agora são os de eletrônicos, máquinas e automóveis, afirma o economista. Isso se deve a interrupção de negócios com a China, país onde esses a maioria desses componentes são adquiridos.

A Hora – Desde a confirmação da doença até agora, quais os reflexos à economia do país?

André Nunes de Nunes – Nossa avaliação é feita na medida dos acontecimentos, a partir de dados consolidados ao longo destes meses. É difícil fazer uma análise completa, mas o que conseguimos ver é que há setores fabris, como materiais elétricos, veículos e máquinas, em que começam a faltar componentes. A escassez é por que dependem da China e os embarques estão atrasados. Se persistir essa situação, as empresas terão de buscar outros fornecedores, o que pode gerar aumento de custo.

André Nunes de Nunes, economista chefe da Fiergs

Alguns especialistas comparam os resultados dessa crise com a greve dos caminhoneiros. Há relação entre esses fatos?

Nunes – É evidente que teremos resultados abaixo do previsto nestes primeiros seis meses do ano. Já há no mundo eventos sendo cancelados, viagens postergadas. A volta ao patamar anterior não será rápida.

A greve dos caminhoneiros foi algo concentrado e quando acabou a atividade voltou ao patamar anterior em um mês. Com o coronavírus não será assim, justo por ir afetando um país por vez.

O Vale do Taquari tem 80% de sua atividade econômica voltada para a produção alimentícia. Como esse setor pode ser atingido?

Nunes – Em princípio não podemos imaginar um cenário ruim. Talvez seja até o contrário. Há chance de um aumento na demanda de alimentos nos próximos meses. Para o exportador, os novos pedidos podem interferir em mais rentabilidade devido à taxa do dólar. A China é um mercado que pode sofrer nos próximos meses com desabastecimento desses produtos, em especial as carnes. No consumo interno, é um segmento que deve manter sua margem de atividade.

 

Saiba mais

  • Os coronavírus (CoV) são uma família viral, conhecidos desde os anos 60. Causam infecções respiratórias em pessoas e em animais;
  • Alguns coronavírus podem causar síndromes respiratórias graves, como a SARS. Se disseminou pela América do Norte, Sul, Europa e Ásia. Infectou mais de 8 mil pessoas e causou 800 mortes;
  • A incubação no organismo vai de dois até 14 dias;
  • A fonte de incubação ainda é desconhecida. Algumas amostras foram encontradas no mercado de animais da China. Estima-se que a origem seja na zona rural, em animais silvestres;

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