Estiagem castiga lavouras e atinge a economia

DRAMA NO CAMPO

Estiagem castiga lavouras e atinge a economia

Levantamento preliminar da Emater/Ascar-RS mostra cenário crítico no Vale do Taquari. Das 36 cidades acompanhadas pela regional de Lajeado, 26 contabilizam perdas nos cultivos de grãos, leite e criação de animais. Diversas comunidades do interior também enfrentam racionamento de água. Previsão é que queda na receita dos agricultores interfira no comércio, na indústria e nos serviços.

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Estiagem castiga lavouras e atinge a economia
Na propriedade de Gilmar Ullmann, em Santa Clara do Sul, as fontes secaram e a lavoura de fumo foi perdida
Vale do Taquari
Gustavo Adolfo 1 - Lateral vertical - Final vertical

Entre os investimentos em sementes, insumos para o solo, às máquinas e o arrendamento de terras, Carlos Prediger, 46, de Linha São João, interior de Travesseiro, gastou em torno de R$ 92 mil. Como o milho não cresceu, as pastagens secaram e as vacas perderam produtividade, tem certeza que o ano será de prejuízos.

Essa é a realidade de muitos agricultores da região. A estiagem iniciada em novembro se consolida e já indica uma possível seca parecida com a da safra 2011\2012. Se a região tiver mais semanas de pouca chuva, a tendência é de agravamento da situação.

Conforme levantamento preliminar da Emater/Ascar-RS, dos 36 municípios dentro da área de cobertura da regional de Lajeado, 26 contabilizam perdas nas lavouras, redução no nível dos cursos de água e fontes secas. Até o abastecimento para o consumo humano já está em risco em algumas cidades.

Essa condição resulta em dez decretos de emergência, o que deve aumentar nos próximos dias. Pelo menos é o que acredita o gerente adjunto da Emater, Carlos Lagemann. Em termos gerais, a queda média tabulada até agora com relação à soja é de 26% e o milho está em 29%. O levantamento é feito a cada dois meses e se refere a dados apurados até essa segunda-feira.

A condição entre as localidades muda. Em Taquari, Progresso e Arvorezinha, as perdas na soja alcançam 50%. Em Teutônia e Fazenda Vilanova os prejuízos foram menores nessa comparação, diz Lagemann.

“Quem trabalha com grãos tem uma oportunidade de colheita. Se perdeu, só no ano que vem. Aqui no Vale, a maioria das propriedades tem diversificação. Então uma cultura segura a renda mínima. Mas a capacidade de investimento para o próximo ciclo será mínima”, avalia o gerente.

O fechamento dos números ocorre entre o fim de abril e início de maio. Período em que se finaliza a colheita da soja no RS. Conforme a Defesa Civil, há 172 municípios gaúchos que ingressaram com pedido de situação de emergência devido a estiagem.

Apreensão na cidade

O segundo semestre deste ano será de dificuldades econômicas, em especial nos municípios de pequeno porte, avalia o vice-presidente da Câmara da Indústria e Comércio, Ivandro Rosa. Ele assume a direção da entidade no dia 31 deste mês e está apreensivo com a situação do campo.

“A agricultura é fundamental à nossa região. Primeiro pelo número de famílias envolvidas nas atividades primárias e também por termos muitas indústrias de processamento do que vem do agro.”

Para ele, toda a economia regional e estadual vai sofrer com retração nos próximos meses. “Ainda não conseguimos verificar a extensão desse prejuízo, mas a expectativa é de diminuição nos negócios.”

As famílias do campo vão gastar menos na cidade, acredita Rosa. “Compras serão proteladas. Com menos dinheiro circulando nas cidades, podemos esperar mais dificuldades.”

Opinião semelhante ao do presidente da Associação Rural de Lajeado (Arla), Orlando Stein. Cooperativa com quase três mil integrantes, a entidade também atua no setor comercial, com bazar, vendas de insumos para a agricultura e bens duráveis, como eletrodomésticos. “Estamos prevendo uma queda nas vendas maior para os próximos meses, pois já há um impacto negativo neste início de ano.”

Em termos de queda no faturamento, Stein acredita que ainda é cedo para traçar algum número específico. “Vamos saber do tamanho do rombo quando terminar a colheita”, realça.

Prediger, de Travesseiro, investiu R$ 92 mil para o cultivo de grãos, mas teve a safra frustrada

Falta de água

Nesta semana, Santa Clara do Sul decretou emergência. Na região, são 11 municípios com processo aberto na Defesa Civil.

Fontes sem água, a pastagem seca e a produção de fumo comprometida. Este é o cenário na propriedade de Gilmar Ullmann, 46, em Sampainho, interior de Santa Clara do Sul. As três fontes que abasteciam a propriedade secaram há três semanas, mais de 5 mil pés de fumo morreram e último grande volume de chuva ocorreu em novembro.

Em Santa Clara, 13 famílias convivem com essa situação. “É o pior verão de todos. Nunca havia passado por isso. Se continuar assim vou abandonar a agricultura, é muito prejuízo”, lamenta Ullmann.

Para normalizar o abastecimento de água, muitos moradores recebem ajuda de vizinhos. Nesta semana, Ullmann recebeu mais de 3 mil litros que abastece os animais e é usada para o consumo humano por 10 dias. “Dos 15 animais que tinha, já tive que vender 6. Sem água é impossível manter a produtividade”.

Última seca

Entre 2011 e 2012 a região sofreu uma das piores secas. Foram dez meses de pouca chuva. Como resultado, o prejuízo nas lavouras chegou a R$ 40 milhões. No início de 2011, o Vale passava por um período de estiagem. Passaram-se alguns meses com chuvas regulares para a partir do fim do primeiro semestre novo período sem precipitações. O nível do Rio Forqueta chegou a ficar abaixo dos 30 centímetros em diversos pontos. O que provocou a mortandade de peixes. A geração de energia das hidrelétricas locais também foi prejudicada.

De janeiro a março de 2012, o Vale teve a menor média de chuva dos últimos 30 anos. Diante da dificuldade, a hidrelétrica Salto Forqueta, da Cooperativa Certel, entre São José do Herval e Putinga, teve de operar com apenas um quinto da capacidade. Naquele período, a justificativa para a pouca chuva foi devido ao fenômeno La Niña, marcado pelo esfriamento das águas do Pacífico Equatorial. Com isso, as frentes frias chegam com menos frequência ao Rio Grande do Sul.

Conforme reportagem do A Hora publicada no dia 18 de maio de 2012, faltou água também para as  pessoas. As fontes secaram para 764 famílias em 38 municípios. Até abril daquele ano, choveu 434 milímetros, 54% a menos que a média registrada no mesmo período de 2011.

Em 38 municípios da região, o número de famílias que dependem do abastecimento de caminhões-pipa feito pelas administrações municipais chega a 764.

Saída é a irrigação

Conforme a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), cresceu em 20% a procura por sistemas de irrigação no RS. Pela análise da instituição, se trata de um movimento comum frente ao quadro de seca.

Os anos anteriores não teve oscilações no volume de chuva e os investimentos nesse tipo de tecnologia foram tímidos. Informações da Secretaria Estadual de Agricultura confirmam essa análise.

Em 2019, o programa Mais Água Mais Renda teve 165 projetos inscritos. Em 2012, ano de seca no RS, foram 844. Menos de 27 mil das mais de 360 mil propriedades gaúchas contam com sistemas de irrigação.

Do total de 21,7 milhões de hectares de produção, apenas 6% contam com tecnologia de armazenamento de água e irrigação. No Vale do Taquari, não chega a 1% o número de propriedades com sistemas de irrigação.

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