Ensaio sobre a cegueira

Opinião

Ney Arruda Filho

Ney Arruda Filho

Advogado

Coluna com foco na essência humana, tratando de temas desafiadores, aliada à visão jurídica

Ensaio sobre a cegueira

Por

Lajeado

O livro é excelente. Escrito pelo português José Saramago e publicado há mais de 25 anos. A cegueira começa num único homem, dentro do seu carro, parado num semáforo. É o primeiro caso de uma “treva branca”, que logo se espalha incontrolavelmente. As pessoas correm em seu socorro, sem compreender o que está acontecendo e uma cadeia sucessiva de cegueira se forma. Uma cegueira, branca, como um mar de leite e jamais conhecida, alastra-se rapidamente em forma de epidemia. O governo decide agir, e as pessoas infectadas são colocadas em uma quarentena com recursos limitados, isolamento que irá desvendar aos poucos as características primitivas do ser humano.

A força da epidemia não diminui com as atitudes tomadas pelos governos e o mundo todo entre em colapso. Todos se tornam cegos, menos uma única mulher, que misteriosa e secretamente manterá a sua visão. Ela enfrentará todos os horrores, presenciando, com o sentido estranha e individualmente preservado, toda a avalanche de consequências imprevisíveis. Exercício de poder, obediência, inveja, ganância, afeto, empatia, desejo, vergonha. Dominadores, dominados, subjugadores e subjugados, oportunistas e massa de manobra, todas as categorias vão se revelando de maneira surpreendente. Na quarentena, esses sentimentos se irão revelar de diversas formas. Há a violência, a luta entre grupos pela pouca comida, a compaixão pelos doentes e os mais necessitados, como idosos ou crianças, o embaraço por atitudes que antes nunca antes seriam experimentadas. Resguardados em quarentena, os cegos se perceberão reduzidos à essência humana, numa verdadeira viagem às trevas. O Ensaio sobre a cegueira é a fantasia de um pensador que nos faz lembrar “a responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam”.

Mas afinal tudo, tudo mesmo, algum dia tem que chegar ao fim. E ao conseguir sair do antigo hospício onde estava em quarentena, a mulher que vê se depara com a total ausência civilização: “a cidade estava toda infectada”, com cadáveres, lixo, um caos. Os cegos passaram a seguir os seus instintos mais primitivos e sobreviviam como nômades.

Saramago lança o desafio de se refletir sobre as reações do ser humano à perda de um único sentido, a visão. E as consequências dessa simples perda. As carências, as necessidades, a incapacidade de reação, a impotência, o desprezo e o abandono. Leva-nos também a refletir sobre a moral, os costumes, a ética e o preconceito através dos olhos da personagem principal, a mulher que vê. Ao entrar numa igreja, se depara com um cenário extremamente significativo: todos os santos estão vendados. “Se os céus não vêem, que ninguém veja …”

Bem, este texto é uma adaptação livre de algumas sinopses que encontre na internet. Essas sinopses me ajudaram a transmitir com mais clareza a essência do livro que li já faz tempo. Afinal, como não sou o único que ainda enxerga, me dei ao direito de somar olhares alheios ao meu próprio olhar. E assim pretendo continuar fazendo.

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