“As condições não serão sempre perfeitas. É preciso arriscar”

Entrevista

“As condições não serão sempre perfeitas. É preciso arriscar”

Proprietário da Chef Leon, Márcio Dal Cin começou a empreender após um acidente que resultou na condição de cadeirante

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“As condições não serão sempre perfeitas. É preciso arriscar”
Vale do Taquari
Gustavo Adolfo 1 - Lateral vertical - Final vertical

 

Nascido em uma família humilde no interior de Santa Catarina, Márcio Dal Cin veio com os pais e os irmãos para Lajeado aos 15 anos em busca de melhores oportunidades de vida. Ele começou a trabalhar logo ao chegar no Vale do Taquari e conseguiu crescer profissionalmente até que, aos 33 anos, sofreu um acidente que o deixou em uma cadeira de rodas.

Depois de uma difícil recuperação, ele decidiu comprar a pizzaria da qual era cliente, a Chef Leon, e empreender uma série de mudanças na empresa. Com processos aprimorados, novos equipamentos e aposta na automação, a pizzaria se tornou um grande case de sucesso da região.

– Quais as características da infância que se tornaram decisivas para empreender?

Marcio Dal Cin – Nasci no interior de Santa Catarina, extremo oeste do estado. Meus pais tinham uma pequena propriedade em uma encosta e plantavam para nossa subsistência. Até meus quatorze anos de idade não tínhamos energia elétrica nem água encanada em casa. Nosso banheiro era uma “capunga” que ficava distante da casa e tomávamos banho com uma lata cheia de água pendurada por uma corda. Como vivíamos na roça, não tinham muitas possibilidades de crescimento ou oportunidades de melhoria de vida. Pouco antes de completar quinze anos nossos pais perceberam que não teríamos futuro lá, colocaram nossa mudança em cima de um caminhão e nos mudamos para Lajeado. Fomos morar em seis pessoas num porão alugado de uma casa no bairro montanha. Se comparar as dificuldades daquela época com empreender posso dizer que a coragem, a vontade de mudar um cenário podem ser o início de tudo – o medo pode deixar a gente manter o pé no chão mas não pode impedir de tentar. As condições não serão sempre perfeitas. É preciso arriscar e melhorando no caminho, no processo, com os aprendizados.

– Como foram as suas primeiras experiências profissionais?

Dal Cin – Logo depois que chegamos em Lajeado fomos colocar paralelepípedos em ruas para ganhar um dinheiro, mais tarde comecei a trabalhar na antiga Cartel Embalagens, fiquei até ir para o quartel. Quando retornei, fui demitido. Durante este período parei de estudar pois achava que não era necessário. Fiquei alguns meses sem conseguir emprego até que fui trabalhar de servente de pedreiro. Fiquei um mês no emprego e costumo dizer que foi o dia D da minha vida. Decidi que ia voltar a estudar e buscar uma vida melhor. A partir daí tive outras experiências profissionais sem muito sucesso. Como queria crescer logo dentro das empresas acabava me frustrando com algumas coisas, mas tive grandes aprendizados principalmente sobre relacionamentos interpessoais, processos produtivos e qualidade de produto. Gerenciei algumas equipes e isso me fez crescer muito profissionalmente.

– Você passou por um acidente que resultou na condição de cadeirante. Como isso aconteceu?

Dal Cin – Estava numa viagem a trabalho quando uma carreta atravessou na frente e colidi contra os pneus dela. Com o impacto acabei quebrando as vértebras 6 e 7 da coluna cervical e lesionei a medula. Fiquei dezesseis dias na UTI e mais onze no quarto do hospital. Como consequência da lesão na medula perdi todos os movimentos do peito para baixo. Não tenho sensibilidade nem movimento em 80% do corpo, nem controle sobre intestino e bexiga. A lesão reduziu também os movimentos e força dos braços e muito significativamente o movimento dos dedos das mãos. A recuperação foi muito difícil pois além de todo quadro da lesão enfrentei outros problemas por falha numa cirurgia de tratamento. Sem contar a questão psicológica de aceitar a nova condição e adaptar a vida a ela. Acabei indo quatro vezes para Brasília no hospital Sarah Kubischeker que é referência nesse tipo de tratamento. Depois de aproximadamente dois anos e duas novas cirurgias, clinicamente eu estava bem, o que me permitiu a sair mais da cama e com coragem me adaptar à nova condição.

– Como o acidente transformou sua vida?

Dal Cin – Mudou completamente. Tinha 33 anos, num dia de manhã você sai de casa para ir ao trabalho e de noite está num hospital sem poder mexer nada do corpo e respirando com ajuda de aparelhos. Eu era muito ativo, tinha muitas conquistas, muitos sonhos. Estava cursando administração, gostava de jogar futebol e, principalmente, estava construindo uma família com minha esposa e uma filha de um ano e meio na época. Ficava imaginado como ia fazer para pegar ela no colo ou brincar com ela. Depois de período de recuperação e de muitos questionamentos decidi que não ia aceitar aquela situação como definitiva. Via minha esposa se dedicando ao extremo para manter o trabalho dela, a casa e os cuidados com a nossa filha e eu precisava fazer ago de diferente.

– De que forma a Chef Leon passou a fazer parte da tua vida?

Dal Cin – Depois de estar clinicamente bem eu precisava fazer alguma coisa, não queria ser um passivo para minha esposa e para a sociedade. Pegava pizza na Chef Leon quando ela abriu e depois de um certo período percebi que o antigo dono não estava feliz. Fiz uma brincadeira com ele se não precisava de um sócio no negócio, ele desconversou. Trinta dias depois voltei para pegar outra pizza e fiz a mesma pergunta. Ele disse que sociedade não dava, mas que se eu quisesse comprar ele vendia. Percebi que era a grande oportunidade da vinha vida e disse que iria dar uma resposta na semana seguinte. Saí da pizzaria e já fui fazendo um planejamento estratégico na minha cabeça. Cheguei em casa contei para minha esposa que iríamos comprar a pizzaria. Ela não acreditou. Compramos a pizzaria sem que eu pudesse entrar nela pois não tinha acesso para cadeirante. A primeira obra foi fazer uma porta mais larga e uma rampa num degrau. Entender o funcionamento e o processo desde a compra da mercadoria até a entrega no cliente também foi desafiador.

– Como a Chef Leon atua para conseguir destaque em um mercado tão concorrido?

Dal Cin – Definimos métodos e padrões para todas as etapas e tarefas do processo, desde o atendimento ao telefone até as quantidades de matéria prima necessária para produzir um recheio. A partir daí buscamos equipamentos melhores e mais automatizados e desenvolvemos um sistema de pedidos. Melhoramos o visual da marca e colocamos um significado muito particular nosso que acabou virando o slogan do negócio que é “A felicidade está nas coisas simples”. Não enxergamos o negócio de dentro para fora mas ao contrário, de fora para dentro a partir da percepção do cliente que avalia o produto depois de ser consumido. Nos colocamos no lugar dele e imaginamos o que o faria comprar novamente.

– Quais os planos para o futuro da empresa?

Dal Cin – Nossa ideia é que o negócio tenha longevidade, não pensamos no imediatismo de querer resultado a curto prazo. Temos outros valores e propósitos que buscamos para além do lucro. Traçamos um planejamento para os próximos cinco anos e tomamos decisões em cima disso. Um exemplo foi a mudança de endereço a três anos atrás e a reforma que realizamos no prédio a pouco tempo. O crescimento pessoal e profissional das pessoas que trabalham conosco nos estimula na caminhada. Estamos desenvolvendo outros produtos onde poderemos utilizar a capacidade ociosa da estrutura e dos equipamentos, vem novidade por aí.

– Como a inovação traz novas perspectivas para o negócio?

Dal Cin – Enxergando as oportunidades do mercado, estamos criando uma pequena empresa na área de tecnologia, especificamente de sistema, temos um produto muito bom que desenvolvemos internamente aqui e que consideramos uma boa oportunidade de negócio. Esta empresa não está vinculada a Pizzaria Chef Leon mas terá direito de comercialização dos módulos do sistema de pedidos interno, pelo site, aplicativo e painel administrativo. É uma aposta neste momento onde as pessoas estão cada vez mais se adaptando a novas formas de fazer compras e pagamentos.

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